Artistas circenses enfrentam verdadeira guerra para sobreviver

Mas mesmo com as dificuldades, as novas gerações do picadeiro renovam a tradição. Circos vencem o preconceito.


A partir desta quinta, 28 de abril, a domingo, 50 palhaços vão se reunir no Circovolante, encontro realizado na cidade histórica de Mariana. Serão mais de 20 atrações, entre espetáculos, música, mágica e palhaçada. A ideia é pensar, promover e divulgar a arte circense. Entre os convidados está um artista especial: o “trapalhão” Dedé Santana.

Nascido em 1936 e cria dos picadeiros, Dedé é neto de Colé Santana, parceiro de Oscarito, e filho de Ondina Santana, uma das mais famosas contorcionistas da América do Sul. A primeira apresentação dele foi no colo da mãe, aos 3 meses. Representa a oitava geração de uma família circense.

O ídolo da TV trabalhou como palhaço, acrobata, trapezista e domador de elefantes antes de atuar por quase quatro décadas ao lado de Renato Aragão, Mussum e Zacarias. Convidado a ser embaixador do circo no Brasil, ele recusou o desafio, pois temia não ter tempo suficiente para se dedicar à missão.

Sempre que pode ele usa seu prestígio para marcar reuniões com presidentes, governadores e ministros de Cultura. Assunto: circo. “Agora, com a ajuda da Funarte e do Ministério da Cultura, o governo começa a dar uma mãozinha para a gente. Mas acho que pode melhorar”, diz Dedé.

Ele tem razão. Quando um garoto nasce no circo, seu destino não está definido. Ele pode virar técnico de iluminação, palhaço, trapezista ou contorcionista. Também pode abandonar a vida mambembe. A decisão é pessoal. Não é fácil a mãe desse bebê conseguir fazer pré-natal. Afinal de contas, o artista sem residência fixa encontra muitas dificuldades para ser atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). E quase ninguém – de autoridades a médicos – parece compreender que se trata de atividade itinerante.

Há anos funciona assim: artistas circenses, responsáveis por levar alegria e magia para crianças e adultos, ficam à mercê da boa vontade das autoridades. Não há leis que os amparem. As dificuldades não se limitam ao atendimento médico. Um rapaz criado no circo não consegue, por exemplo, se alistar no Exército. As Forças Armadas se confundem na hora do cadastro: como encaixar ali aquele ser itinerante?


Educação

A Constituição Federal dá aos filhos de pais que trabalham em atividades artísticas itinerantes direito à matrícula e vaga em escolas públicas. “Nesse ponto, podemos ficar mais aliviados. Pelo menos em Minas Gerais, 99% das professoras e diretoras aceitam as nossas crianças, independentemente de conhecerem a lei”, conta Marco Antonio Alvarado.

Esse sobrenome carrega tradição: ele pertence à quinta geração do Circo Alvarado. Filhos e netos, assim como Marco Antonio, tiram o sustento do picadeiro. A trupe de 15 integrantes viaja por Minas Gerais dando duro para levar à frente uma das artes mais antigas do mundo.

Ao chegar às cidades do interior, os Alvarados costumam ouvir de tudo. Secretários de Cultura, por exemplo, alegam ter recebido ordens da Câmara de Dirigentes Lojistas para não deixar o circo se instalar, pois comerciantes temem que ele leve embora o dinheiro que circula por lá. Prefeitos dão a desculpa de que não há terreno disponível para armar a lona ou determinam, sem qualquer explicação lógica, que o circo lá se instale a cada 15 dias ou seis meses.

Manter a tradição, só com muita luta. “Outro dia, me reuni com um prefeito do interior. Expliquei a ele: não viemos nos apresentar para grã-fino, mas para o povão. Se você quiser, pega seu carro, vai até Belo Horizonte e paga R$ 100 para ver o show do Leonardo. Aqui, estou cobrando R$ 3 por duas horas de diversão. Mostro um palhaço e um trapezista, coisas que as crianças de sua cidade nunca viram”.

Outra estratégia de convencimento é provar que circo não leva embora o dinheiro da cidade. Muito pelo contrário. Artistas comem, usam remédios, adquirem produtos na mercearia e abastecem carros. Resumindo: deixam boa parte de sua renda por lá.

Longe da vida chata

O trapezista Francisco Ruy, de 29 anos, pertence à nova geração do circo. O pai lhe ensinou o ofício. Há cinco anos o rapaz passou a integrar o Grande Circo Popular do Brasil, projeto do ator Marcos Frota. Vindo do Piauí, conheceu a esposa na estrada e teve a primeira filha, Dulce, de 5 anos, em Goiás. A segunda menina acaba de nascer. É belo-horizontina.

Dulce avisou: quer ser contorcionista. Terá o mesmo futuro de Thaynara Ribeiro, de 17, Antonio Marcos Martineli, de 16, e de Paloma Caetano, de 17. Eles acordam, vão à escola e se dedicam aos ensaios. Também vão ao shopping e passeiam pela cidade.

Thaynara, Antonio e Paloma optaram por viver no circo. A vida fora de lá é “chata” e “parada”, garante o trio. Como qualquer adolescente, eles têm seus namoricos. Antonio entrega: “Em cada cidade, é uma”. A universidade está nos planos. “Até penso em fazer, agora tem educação a distância. Mas se tiver de escolher entre circo e faculdade, fico com o circo”, garante Paloma.

Escola a distância não é problema. Cada motor home – a casa sobre rodas – conta com TV a cabo, Playstation e notebook.

Quando André Felipe, produtor do Grande Circo Popular do Brasil, nasceu, não era assim. Esse pernambucano, aliás, trocou a vida “normal” pela lona. Produtor musical e de teatro, trabalhou com Ney Matogrosso e Rita Lee, mas, ao ser apresentado à atividade pelo ator Marcos Frota, simplesmente se apaixonou. Aceitou o convite do ator e levou a família. Hoje, os dois filhos mais velhos, de 8 e 9 anos, estão no picadeiro.

Tá na lei

Pôr o espetáculo na rua dá trabalho – e muito –, além de custar dinheiro. Já dura 20 anos a luta de Sula Mavrudis, diretora do Sindicato dos Artistas de Minas Gerais e integrante do Colegiado Setorial do Circo do Ministério da Cultura. Ela conseguiu aprovar lei em Belo Horizonte que prevê a concessão de alvará anual para as trupes. Com isso, no espaço de 12 meses elas podem voltar à capital mineira sem taxas extras para trabalhar. Entretanto, um ano depois de sancionada a lei, as regionais desconhecem as novas regras, com exceção do Barreiro e da Pampulha, segundo Sula. No momento, ela negocia com o Corpo de Bombeiros a revisão de regras de segurança impostas aos circos.


Na rua

CIRCOVOLANTE – 3º ENCONTRO DE PALHAÇOS
Praça Gomes Freire e Praça da Sé, em Mariana. Abertura hoje, às 19h30. Programação prossegue amanhã, a partir das 10h, e sábado e domingo, às 11h. Entrada franca. Informações: (31) 3557-4378.

GRANDE CIRCO POPULAR DO BRASIL
Avenida Cristiano Machado, na altura do nº 9.000, em frente à estação de metrô do Bairro 1º de Maio. De terça a sexta-feira, às 20h30. Sábado, às 16h30, 18h30 e 20h30. Domingos e feriados, às 10h30, 16h30, 18h30 e 20h30. Cadeira especial: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Cadeira simples: R$ 14 (inteira) e R$ 7 (meia-entrada). Crianças de 2 a 10 anos pagam meia. Informações:
(31) 9123-9766.





Fonte:divirta-se.uai.com.br

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