A geração do Ctrl+C, Ctrl+V

O produtor de hip-hop AraabMuzik durante apresentação neste ano

Aos 23 anos, o produtor AraabMuzik é considerado um dos nomes mais criativos da música pop atual. Abraham Orellana, nome verdadeiro do artista que se apresenta neste domingo em São Paulo, no evento multimídia The Creators Project, aprendeu a tocar bateria aos três anos e piano aos dez. Mas hoje não toca nenhum deles. Embora domine instrumentos clássicos, AraabMuzik cria suas faixas usando samples – sons e trechos de outras músicas já gravadas. E sem nenhum demérito, como prova a boa recepção que seu primeiro disco, Electronic Dream (2011), teve em veículos como o jornal The New York Times e a revista Rolling Stone. Longe de ser visto como um plagiador, AraabMuzik é símbolo máximo de uma geração que investe no Ctrl+C, Ctrl+V (comandos de copiar e colar dos computadores) para misturar estilos e criar, recurso que já transcende o hip-hop e a música eletrônica, os redutos originais dos sampleadores. Só neste ano, artistas e bandas como Maroon 5, Coldplay e o veterano Bruce Springsteen compuseram seus discos com a ajuda de samples.




“Misturei bastante no meu primeiro disco, mas no próximo quero misturar ainda mais”, diz Araab, que conta ter crescido ouvindo todo tipo de som para “abrir” a mente. “Às vezes, fico aflito, porque há tanta música por aí para ser ouvida.” A postura do músico mostra que samplear não é coisa de malandro, embora haja aqueles que copiam mal ou imitam descaradamente, sem retrabalho ou qualidade (leia mais abaixo). E o músico tem razão. Um sample não significa falta de criatividade. Quando bem feito, o “roubo” é na verdade um empréstimo, realizado com a finalidade de tornar a música mais interessante. Araab, por exemplo, é tão hábil com a MPC (Music Production Center), equipamento com o qual se apresenta ao vivo, que cria na hora músicas que parecem compostas por uma banda inteira. E que o deixam livre para se apresentar sozinho, sem grupo de apoio. “Há muitas coisas acontecendo hoje para focarmos só em uma. A mistura é o novo pop”, sentencia o músico.

Criada pela fabricante japonesa Akai no começo dos anos 1990, a MPC mistura bateria eletrônica e sampler e permite que o usuário grave e manipule os sons da maneira que quiser, apertando botões (“pads”), como em um teclado. Até bem pouco tempo, o equipamento era mais usado para produção de hip-hop, e raramente tocado ao vivo. No entanto, nos últimos anos, graças a gente como AraabMuzik, ele passou a ser visto com fascínio por artistas de diversas searas. Entronizada sobre o palco, a MPC ganhou vários modelos – o de Araab é o 2500. Para Gabriel Klein, diretor criativo da revista americana Vice e curador do evento multimídia Creators Project, o mérito do músico está na rapidez e na experiência com a ferramenta. Atributos que fazem a diferença no manuseio da MPC.

“É difícil fazer o equipamento soar como um instrumento analógico. A dificuldade é a mesma de se tocar um instrumento convencional. Mas Araab tem a habilidade de colocar o som certo na tecla certa”, diz o rapper Emicida, um dos brasileiros adeptos do uso da ferramenta em shows, ao lado da cantora Céu e do músico Curumin. Para Emicida, ainda há preconceito com quem sampleia, quase sempre visto como um plagiador, mas isso deve mudar em breve. “Vivemos um momento novo na música.”

Disco riscado – Mas nem só de MPC e de bons sampleadores vive essa nova onda. Há de fato aqueles que se aproveitam da oferta de música na internet para se apropriar da obra de outros de maneira nada criativa. Entre eles, está o DJ Skrillex, o novo hype da música eletrônica americana, que aposta em uma colagem esquizofrênica de gêneros sob o chapéu “dubstep”. Estilo musical surgido no começo dos anos 2000 na Inglaterra, o dubstep é, para simplificar, um drum ‘n bass mais lento. Ao contrário de bons DJs e produtores, Skrillex não faz nada ao vivo. Tudo é pré-produzido em estúdio, e, quando ele se apresenta em shows e festivais, faz o tipo clássico de DJ que só balança as mãos e agita a galera – como um cantor que se vale de playback no palco. O único mérito do artista, que largou o rock emo para se dedicar à música eletrônica em 2007, foi tornar palatável um gênero que dificilmente teria aceitação nos EUA, meca da música pop.

Outro exemplo de artista de repertório duvidoso é Gotye, codinome do australiano Wouter De Backer, que subiu ao topo das paradas dos EUA e de quase todos os países da Europa com a faixa Somebody That I Used To Know. A música é baseada em melodia criada pelo brasileiro Luiz Bonfá para a música Seville, de 1967, mas este não é o único “roubo” que o músico praticou para compor seu disco mais recente, Making Mirrors (vide lista). Nem é o xis da questão. Gotye até utiliza bem os samples que escolhe, seu problema é mesmo a composição do repertório. Extremamente irregular, ele não tem personalidade. É como se cada música fosse de um artista diferente. E, a julgar pela quantidade de samples usados, são mesmo. “Eu gosto de garimpar discos desconhecidos e acho que é por isso que as músicas mexem com as pessoas. Elas criam uma conexão com as canções que vai além da letra”, vende-se Gotye



A música de Gotye sofre de um mal moderno: a homogeneidade das músicas pop. Na semana passada, a semelhança entre as músicas pop feitas hoje foi constatada em uma pesquisa científica conduzida na Espanha. Os pesquisadores compararam um enorme arquivo de canções populares feitas entre 1955 e 2010, e com o auxílio de algoritmos, descobriram que as canções pop se tornaram mais barulhentas e mais insípidas em termos de acordes, melodias e timbres. Sem desmerecer os cientistas, na verdade, eles só comprovaram o que qualquer pessoa percebe ao ligar o rádio hoje em dia.
Nada se cria – Há também aqueles que derrapam na ética na hora de samplear, caso da banda Coldplay, que já foi acusada de plágio dezenas de vezes, abalando sua credibilidade já debilitada pela fraca qualidade musical recente. O episódio mais famoso é o do célebre guitarrista Joe Satriani, que acusou o grupo de roubar “trechos significantes” da música If I Could Fly, de 2004, e colocá-los em Viva la Vida, de 2008. Na época, as partes chegaram a um acordo, cujos termos nunca foram revelados.
É claro que copiar a música dos outros não é uma prática nova. Histórias famosas de plágio datam dos anos 1960, e muitos “roubos” já foram cometidos por bandas famosas e importantes como os Beatles, os Beach Boys e o Led Zeppelin. São inúmeros os episódios de músicos que acabaram recebendo crédito de coautoria em canções que não escreveram, mas “inspiraram”. E tantos outros os casos de acusações infundadas, que não deram em nada. Mas, afinal, o que é considerado plágio? Essa resposta varia de acordo com a lei de cada país. No entanto, a definição mais aceita é a que prega a lei americana (e também a brasileira): quando a cópia é substancial e de fácil reconhecimento, e feita sem a autorização do autor, é considerada plágio.
Em um dos casos mais famosos de violação de direitos autorais, o produtor americano Danger Mouse criou o disco Grey Album com trechos a capella – sem instrumentos – do Black Album, do rapper Jay-Z, para fazer um mashup (mistura) com o White Album, dos Beatles. Apesar dos esforços da gravadora EMI para tentar barrar a distribuição do disco, vários sites o disponibilizaram para download gratuito no mesmo dia, em uma forma de protesto para que o uso de samples fosse legalizado. Mais de 100.000 pessoas baixaram o álbum, e até Jay-Z e Paul McCartney acabaram concordando que Danger Mouse havia feito um ótimo trabalho. “Peguem leve, rapazes. É uma homenagem”, disse Macca. Até hoje, o caso é citado como um divisor de águas, pois ajudou a mudar a percepção das pessoas em relação ao uso de material protegido por direitos autorais.
O que os músicos do hip-hop já sabiam desde a década de 1980, quando foram lançados discos excelentes baseados em samples, como 3 Feet High and Rising, do trio De La Soul, e Paul's Boutique, dos Beastie Boys, ambos de 1989, os outros gêneros descobrem agora. Samplear não precisa ser regra, mas pode ser, sim, um caminho frutífero para a criatividade.
Fonte: Veja

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