Shows sem licitação estão na mira do Ministério Público

Brecha na lei permite contratação de artistas, sem licitação pública e com indício de superfaturamento, até para evento particular



Com a proibição dos showmícios pela Justiça, um grupo de empresários de artistas encontrou uma brecha de ouro na lei de licitações, de 1992, para continuar faturando altos cachês em contratos direcionados com prefeituras e governos. Por meio de uma triangulação no envio de dinheiro para firmas privadas, constituídas por empresários que alegam deter o direito exclusivo da apresentação de cantores famosos, verbas públicas que poderiam ser investidas em áreas essenciais estão sendo destinadas a contratos com indícios de superfaturamento para a realização de shows em praças, estádios de futebol, festas de rodeio, quermesses e micaretas. E para piorar: em alguns casos são cobrados ingressos de até R$ 500, o que transforma a situação num velho clássico de desvio de verba pública para custear festa particular. Na última semana, o Hoje em Dia analisou 52 convênios divulgados em diários oficiais e descobriu que o lucrativo esquema movimentou R$ 9,5 milhões em dois anos.


O rateio da fortuna, segundo os extratos, engordou os rendimentos de alguns empresários e de vários artistas como Luan Santana, Alexandre Pires, as duplas sertanejas Rio Negro e Solimões, Bruno e Marrone, e Jorge e Mateus, além de Eduardo Costa, Leonardo, Ivete Sangalo, Chiclete com Banana, Skank, Jota Quest, Padre Fábio de Melo e da apresentadora Xuxa Meneghel. Somente em uma apresentação, patrocinada pelo ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, para comemorar os 49 anos de Brasília, a ‘rainha dos baixinhos’ ganhou R$ 500 mil de cachê. Todos os contratos verificados, sem exceção, foram fechados pelo sistema de inexigibilidade de licitação que, na prática, permite que os governantes direcionem contratos para determinados empresários sem que haja qualquer tipo de concorrência.


Para abocanhar os milhões do erário, basta que as estrelas apresentem um certificado dizendo que possuem vínculo exclusivo com determinado empresário. O novo filão está na mira do Ministério Público e foi tema de recente discussão entre promotores de Justiça durante encontro nacional da categoria.


Tradicionalmente festeiro, o Estado do Ceará, do governador Cid Gomes (PSB), é o recordista em convênios sem licitação com empresários de artistas. Dos 52 extratos verificados pelo Hoje em Dia, 27 deles dizem respeito à aplicação de R$ 5.081.571 para a realização do evento ‘Férias no Ceará’, na capital Fortaleza e em cidades do interior. Em 2009, por exemplo, a banda de pop rock Jota Quest lucrou R$ 653.500 por três apresentações, todas elas negociadas pela D&E Promoções de Eventos Ltda. No ano seguinte, a festança consumiu R$ 1.866.071 em 12 contratos, sendo que R$ 1,1 milhão foram gastos para custear cinco shows – três da banda Skank e dois do Jota Quest – ao custo de R$ 223 mil cada um. Nesse caso, a empresa foi a responsável pelo contrato com as bandas mineiras, além de ter negociado em favor do cantor Lulu Santos e das bandas Biquini Cavadão, NX Zero e Tribo de Jah.


Para o evento deste ano, que já está em curso, Cid Gomes caprichou na produção. Ao todo, para custear apresentação de oito artistas, Cid destinou pelo menos R$ 2,5 milhões em verbas para bancar o evento, conforme análise em 12 extratos de contratos divulgados no diário oficial do Estado. Com quatro apresentações agendadas, segundo os contratos, o Skank vai faturar R$ 892 mil. Já a turma do Jota Quest embolsará R$ 1,1 milhão.

Réveillon, festa junina, forró, rodeio...

Enquanto alguns prefeitos realizam marchas até Brasília em busca de recursos, outros aplicaram R$ 3.390.798 em verbas públicas para patrocinar eventos com artistas. O volume gasto foi diluído em 26 dos 52 contratos verificados pelo Hoje em Dia em diários oficiais de municípios.


Primeira colocada do ranking, a Prefeitura de Paulo Afonso (BA) usou R$ 602 mil para patrocinar, em 2009, uma festa junina com a presença de sete estrelas do showbizz. Os cachês mais caros – R$ 180 mil cada - foram embolsados pela dupla sertaneja Victor e Léo, e pelo Padre Fábio de Melo. Já os demais artistas receberam: Mastruz com Leite (R$ 65 mil), Mala 100 Alça (R$ 65 mil), França e Forró da Pisada (R$ 35 mil), Forró Brazil (R$ 35mil) e Gatinha Manhosa (R$ 42 mil).


Na segunda colocação, a Prefeitura de Sertãozinho (SP) gastou R$ 523.200 para ter o pagodeiro Alexandre Pires (R$187.200), a banda Jota Quest (R$ 198 mil) e a dupla caipira Gino e Geno (R$138 mil) no palco da Festcana 2010, evento realizado anualmente pela prefeitura, que mescla apresentações musicais com gastronomia. Apesar do vultoso investimento público, quem quis ver a performance dos cantores teve que pagar ingresso de pelo menos R$ 15.


Antes da Festcana, no réveillon de 2009, o pagodeiro Alexandre Pires ganhou R$ 260 mil por uma única apresentação em São Vicente, no litoral paulista, por meio da empresa Anova - Promoções, Eventos e Publicidade Ltda, que alegou ter os direitos exclusivos das apresentações do cantor.


Em Orlândia (SP), os preços dos ingressos de um rodeio da cidade chegaram a R$ 100. Mesmo sendo uma festa privada, a prefeitura contratou sem licitação para animar a festa os artistas Luan Santana (R$ 110 mil), Rio Negro e Solimões (R$ 85 mil) e Skank (R$ 85 mil) com dinheiro público da cidade. Preço total da farra: R$ 280 mil.

Arruda gasta R$ 960 mil em cachês

Apontado como o chefe do esquema de corrupção no Distrito Federal, que ficou nacionalmente conhecido como mensalão do DEM, o ex-governador José Roberto Arruda não economizou verbas públicas para realizar festejos enquanto esteve à frente do Palácio do Buriti. Somente em três contratos foram consumidos R$ 960 mil em cachês, conforme cópias de extratos de contratos divulgados no diário oficial.


Mirando a comemoração histórica dos 50 anos de Brasília, a qual não esteve presente por causa da repercussão causada pelos vídeos da corrupção do delator Durval Barbosa, Arruda comemorou com pompa os 49 anos da cidade, como se fosse uma espécie de prévia do que estaria por vir no ano seguinte.


Foram várias atrações, mas o grosso da verba pública foi destinada às apresentações da cantora e apresentadora Xuxa Meneghel, da dupla sertaneja Jorge e Mateus e da banda de pop rock Jota Quest.


Estrela maior do evento, a apresentadora e cantora Xuxa Meneghel recebeu cachê de R$ 500 mil pela firma Xuxa Promoções e Produções Artísticas Ltda.


Apesar de serem novatos no showbizz à época, a dupla Jorge e Mateus ficou com R$ 320 mil por intermédio da J&M Produções Artísticas Ltda. Já os integrantes do Jota Quest embolsaram R$ 140 mil pela Eddie Produções Artísticas Ltda.


De acordo com os extratos dos contratos, o caminho percorrido pelo dinheiro público é sempre o mesmo. Conforme os documentos, a verba saiu dos cofres da Empresa Brasiliense de Turismo, foi depositada na conta das empresas que alegam deter cartela exclusiva de shows e, por fim, chegou ao bolso dos artistas.


Em 2001, já durante o Governo de Roseane Sarney (PMDB), a banda Skank foi contratada pelo empresário Guilherme Frota Produções para tocar na abertura dos Jogos Escolares daquele ano.


Pelo extrato de contrato, exatos R$ 124.768,38 em verbas públicas foram destinados ao cachê dos artistas.

Promotor de SP investiga contrato do Jota Quest

O promotor de Justiça Fernando Abujamra, da Comarca de Sertãozinho, no interior de São Paulo, instaurou inquérito para investigar denúncias de irregularidades na contração de empresários de artistas pela prefeitura da cidade, que hoje é administrada pelo ex-sorveteiro Nério Costa (PPS).


Ainda em fase inicial, a investigação tem como alvo o envio de verbas públicas da cidade para custear o cachê de atrações do Festcana, a tradicional Festa da Cana de Sertãozinho, onde são cobrados ingressos na entrada.


Em 2010, o evento contou com a presença do pagodeiro Alexandre Pires, da dupla sertaneja Gino e Geno e da banda mineira de pop rock Jota Quest, ao custo total de R$ 523.200.


Além de cobrar ingresso em festa patrocinada com dinheiro público, a investigação vai mirar também a ausência de licitação no contrato do empresário Luis Carlos Pasquini, que alegou deter os direitos exclusivos dos artistas, pela prefeitura de Sertãozinho.


Pelos extratos, divulgados no diário oficial da cidade, prefeitura pagou R$ 187.200 ao cantor Alexandre Pires, R$ 138 mil foi para o Gino e Geno e, a maior parcela da verba, R$ 198 mil, foi usada para bancar a banda Jota Quest.


Os três contratos foram firmados pela prefeitura e o empresário dos artistas pelo questionável sistema de inexigibilidade de licitação que, permite driblar a livre concorrência. O Festcana de Sertãozinho é considerado um evento particular com aporte de verba pública.


Há cerca de 30 dias, o guitarrista Marco Túlio Lara, do Jota Quest, foi intimado a prestar depoimento na Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Belo Horizonte em carta precatória enviada pelo MP de São Paulo.


Apresentando tranquilidade, Marco Túlio chegou à sede da promotoria acompanhado de seu advogado de defesa. Poucos minutos depois, ele foi embora. No inquérito do promotor Abujamra, além dos artistas, o prefeito e o empresário também serão chamados a prestar esclarecimentos sobre os três contratos.

Com governos, contratação fica mais cara

A contratação de artistas pelo poder público é mais cara do que pela iniciativa privada. A constatação de que muitos já tinham conhecimento, mas que poucos topam cravar a respeito vem de dois dos maiores empresários do segmento artístico-musical do país.


Em entrevista ao Hoje em Dia, na condição de que suas identidades fossem mantidas no anonimato, os empresários abriram o jogo e revelaram que um show contratado por prefeituras e governos pode custar até 100% mais do que uma apresentação particular.


Apesar dos indícios de superfaturamento, os empresários atribuem a enorme diferença dos preços ao formato das apresentações contratadas por governos. “Contrato com governos é mais alto sempre porque geralmente se trata de apresentações para um grande público”, contou um dos empresários.


“São mais caros porque se leva em conta a vinculação do artista com o político. E isso é uma questão que sempre foi meio complicada”, disse a outra fonte.


Com insistência, um dos empresários consultados aceitou falar em valores de cachê. “Uma banda top de linha hoje do pop rock custa em torno de R$ 100 mil. Já para uma dupla sertaneja de sucesso o cachê é mais salgado, podendo chegar R$ 150 mil. Agora, as musas do Axé cobram até R$ 200 mil por uma apresentação”, revelou.


Ainda em entrevista, um dos empresários afirmou que, como se trata de um segmento altamente instável, os valores dos cachês variam muito e que isso depende do momento em que o artista está passando em sua carreira.


“É como se fosse uma bolsa de valores. Há seis meses um cachê pode ter custado R$ 20 mil e hoje valer R$ 200 mil. O que prevalece é a velha fórmula da oferta e procura”, definiu.









Fonte:hojeemdia.com

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