Músico de 72 anos, considerado um dos grandes compositores de Belo Horizonte é autor de mais de 300 músicas.
Em outro estado talvez estivesse melhor. O público aqui é frio. Tirar aplauso de mineiro é duro. Já vi casa lotada, o músico fazer um solo e ninguém bater palma,diz Tião do Bandolim, compositor.
“Meu nome é Tião do Bandolim”, responde o músico, perguntando qual o interesse da reportagem pelo no nome civil dele – Sebastião Destiosório de Oliveira. “Artista tem que o usar o nome pelo qual as pessoas o conhecem”, justifica. E é com o instrumento como sobrenome que o músico e compositor é personalidade respeitadíssima do universo do choro em Belo Horizonte. Não tem, infelizmente, nenhum disco gravado – e esse é o grande sonho de Tião. Então, a melhor forma de conhecer o artista e o que ele faz é ficar de olho na programação de shows e rodas de choro da cidade.
Tião do Bandolim tem 72 anos, nasceu em Conselheiro Lafaiete e desde os 7 mora em Belo Horizonte. Aos 5 anos viu um cavaquinho e nunca mais esqueceu. Aprendeu a tocar instrumento vendo o irmão (e se apropriando do cavaco quando o mano estava fora). Com dinheiro vindo da atividade de feirante comprou o primeiro instrumento. “Mas vi que com ele não ia conseguir fazer o que queria: tocar todas as músicas que existiam”, conta. Aos 31 anos começou a tocar bandolim. A música conviveu com o trabalho de motorista. – “Dirigi caminhão e táxi, fui motorista de madame e encerrei atividades em coletivos”, conta.
“Não aprendi a tocar sozinho, era eu e Deus. Sou músico formado por Ele, não por escola”, conta. “E sempre fui compositor”, completa, explicando que inspiração é presente divino. A primeira composição foi a “seresta meio chorinho” Despedida de um bandolim. A mais recente, Meu nome é Auzier, reverência a amigo de longa data, cavaquinista que comanda a casa da choro Pedacinhos do Céu, no Bairro Caiçara. TIão estima que tenha escrito cerca de 300 composições, choros, valsas e polcas, todas guardadas na memória. “Todas boas e bonitas”, conta, recusando-se a apontar a favorita. Mas cede e confessa que Somos todos iguais é a música de que anda gostando especialmente.
Tião do Bandolim é metódico e dedica-se exclusivamente ao choro. Compõe de madrugada – “É o melhor horário, estamos com a mente descansada e a inspiração entra mais” – e com processo em três etapas: faz uma parte num dia, outra no segundo, e, no terceiro, “fecha” a música. “Quando componho em apenas uma etapa a música fica falha, corre o risco de ficar monótona, já que não houve tempo de estudar”, justifica. A atividade de compositor está interrompida: “Fiz promessa de só retomar quando começar a gravar um disco”, conta. “Não me desespero porque tudo tem a hora certa”, diz Tião.
“Dedicar a vida à música não é simples. Trabalhamos só à noite, o que traz desgaste mais mental – já que trabalhamos com a memória – do que físico. Mas é a profissão que Deus me deu e levo com prazer, apesar de pouco dinheiro”. A dedicação ao chorinho, apesar de ter se aproximado da valsa e da seresta na juventude, tem explicação: “Comecei a tocar na era de Pixinguinha, Benedito Lacerda, Jacob do Bandolim, Lupércio Miranda, Waldir Azevedo, Luiz Americano e Abel Ferreira. E todos eram chorões”, recorda.
Tião do Bandolim tem fama no meio musical de ser autor de belos chorinhos e também de ser exigente. Conta-se que quando alguém erra uma nota basta um olhar dele para todos entrarem na linha. “Música é divina, tem que respeitar o que está escrito. Não é chegar e meter o cacete. Não pode passar coisas que não são da música”, defende.
Ele não esconde o incômodo com arranjos que, para ele, desfiguram a composição: “Antigamente, quando uma pessoa chegava e pedia uma música, a instrumentista tocava o que foi gravado. Hoje colocam tanta coisa que quando você começa a entender a música ela já esta acabando”, critica. Toda família é ligada a música. O pai, Vicente Gonçalves, foi sanfoneiro e fazia bailes na roça. A mãe, Corina Felipe de Jesus, integrava o coro da igreja.
Tião nunca tocou fora de Minas, que considera mercado difícil. “Sou mineiro, então tenho de dizer o que é mesmo: em outro estado talvez estivesse melhor. O público aqui é frio. Tirar aplauso de mineiro é duro. Já vi casa lotada, o músico fazer um solo e ninguém bater palma. Nós músicos é que tínhamos de aplaudir. Aí chamava atenção. Temos de valorizar os nossos músicos”, defende.
Há, no YouTube, vídeos amadores com apresentação de Tião do Bandolim. O músico toca de quinta-feira a sábado no Pedacinhos do Céu, Rua Belmiro Braga, 774, Caiçara, (31)3462-2260, com o grupo da casa. Aos domingos, toca n’A Casa, Rua Padre Marinho, 30, Santa Efigênia, (31)3241-1608, com o grupo Piolho de Cobra.
Depoimentos
Lilian Macedo, 33 anos criadora, junto com Carlos Reis, do Projeto Pizindim, do Conservatório UFMG, dedicado ao chorinho, que já fez homenagem ao músico
“Todo mundo adora o Tião. A música dele é linda. Ouvindo-a sente-se que vem de pessoa de sensibilidade, traz emoção que eleva a alma. Ele merece disco, filme, livro, tudo, porque tem história e arte muito rica”.
Thiago Delegado, 28 anos violonista
“É mestre Tião. Acho maravilhosa a sinceridade, a pureza da música dele. É choro legítimo, da raiz do gênero, bonito, benfeito, bem dele, com harmonias interessantes. Acho um pecado o grande público ainda não conhecer a música dele e da velha guarda de Belo Horizonte. Mas vai chegar a hora”
Marilena Trota coordenadora musical do Grupo de Choro Palácio das Artes
“É músico talentoso, com muita sensibilidade musical e habilidade de criar melodias que não lembram outros choros. As músicas são a cara dele, são originais. É choro tradicional, bem tocado, bem escrito, bom de ouvir e muito bonito. Ele merece homenagens pela qualidade do que faz e disco que divulgue a obra”
Três perguntas para o músico
O que mais admira num músico?
Admiro a todos, não tenho olho grande. O que mais admiro é saber interpretar composição que não é dele sem ultrapassar para mais nem para menos. Vejo a garotada tocando e acho que é continuidade da nossa bandeira, que é o choro. Uns dizem que aprendem muito coisa comigo. Digo sempre: estamos aprendendo uns com os outros, música é infinita. Não sei nada, não sei onde começa e termina a música.
Como avalia o choro feito hoje?
Hoje temos mais choro do que em outros tempos, temos mais solistas. Rio, São Paulo e Brasília estão fervilhando com a meninada tocando choro. Recomendo sempre não fazer mudanças. O choro sempre foi quadrado e não vai mudar.Como se sente com as homenagens que está recebendo?
Aceito. É muito bom e homenagem se faz em vida. O meu sonho é um disco. Pediram para colocar letra numa música que fiz. Respondi: “Deixa eu gravar primeiro”. As pessoas não conhecem minha música. Vai ser novidade na praça. Hoje não temos novidade, é tudo regravação.Fonte:uai.com.br










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